segunda-feira, 14 de outubro de 2013

        DA ESTIMA EM QUE DEUS TEM A GRAÇA

(continuação de trechos  de  Matthias Joseph Scheeben :retiradas  do seu magnífico livro intitulado                                                          "As Maravilhas da Graça Divina")


             Ó cristão, com o que escutaste, estás na disposição de crer, de compreender até que ponto é a graça preciosa. Se tudo isto nenhum efeito produziu em ti, ou por ser ela invisível a teus olhos, ou porque te acorrentam os atrativos dos bens sensíveis, aprende ao menos a conhecer o valor da graça, pela estima que dela faz o próprio Deus. E se nem isto podes alcançar, submete humildemente teu espírito à fé, faz teu juízo de Deus, pesa o valor da graça na infalível balança do Senhor.

              Que achas? por acaso poderia Deus em sua sabedoria, em seu poder, em sua bondade, fazer mais do que tem feito para te dar a graça? Poderia comunicar-te alguma coisa maior do que o que te deu? Nada poupou, entregou-nos seu Filho Único, seu próprio sangue, sua própria vida.

              Graças à infinita dignidade de sua pessoa divina, a vida humana de Cristo é uma vida divina; podia ser sacrificada senão para comprar outra vida divina. O Filho de Deus não teria dado sua vida, nem sequer uma gota de seu sangue, pela terra com toda a sua variedade de seres vivos, pelo céu com todo seu esplendor. Atendo-nos, porem, à afirmação dos teólogos, não se teriam perdido a Encarnação e a morte do Filho de Deus, se houvesse merecido a graça apenas para uma só alma humana. Ao oferecer, pois, sua própria vida por nós, queria o Filho de Deus mostrar-nos que nos conseguia a vida de filhos de Deus, e que a graça com que pretendia adornar nossas almas valia o mesmo que seu divino sangue. Se sua vida corporal é de dignidade infinita porque pertence a uma pessoa divina, a vida da graça tem um valor infinito porque nos faz participantes da natureza divina.

                Uma vil traição  despojara o homem da graça que Deus lhe conferia por amor. Com o mesmo amor, e maior ainda, quis Deus no-la dispensar novamente; para tal fim sacrificou quanto lhe podia permitir sua infinita sabedoria. Concebeu um tão arrojado plano que deixou  estupefatos os habitantes do céu. Determinou fazer-se homem para restituir aos homens a dignidade de filhos de Deus, conseguindo retornassem,assim, à casa paterna. Contempla como o Filho de Deus abandona o trono de seu pai e se encerra no seio de uma mulher. Notai-o bem! Não se detém entre os anjos, mas se rebaixa a ponto de tomar sobre si os sofrimentos e as misérias da natureza humana. Não queiras pensar que por tão alto preço vem comprar sua própria salvação, seu bem-estar, sua glória e divindade. Nada disto! Queria merecer nesta terra a graça, que aqui tão pouco se estima, e não julgou pagar por ela um preço por demais elevado sacrificando-se tanto. Comprou-a, não para si, mas para nós. Pois bem, não se sacrifica alguém inutilmente quando se trata de adquirir bens para os outros. Conclui-se, portanto, que julgou Deus inestimável o preço da graça, para submeter-se se o Filho de Deus, que em sua sabedoria julga de todas as coisas, quis pagar tão caro nossa graça, envergonhemo-nos, de desprezá-la tão inconsideradamente. Deveria ser-nos coisa mais terrível que o inferno viver um só instante sem graça. Como podemos, estando em pecado, dormir em paz, alimentar-nos, divertir-nos durante dias, semanas e meses? O Senhor se aniquilou por nós para restituir-nos a graça perdida. E a destruímos com as nossas faltas, sacrificamo-la por uma sombra de vanglória ou um miserável prazer! É possível apreciarmos tão pouco uma coisa a que Deus fixou tão alto preço?

                 Não se contentou Cristo com baixar à terra, mas quis ainda sofrer e trabalhar ao longo de trinta anos em natureza humana. Sendo como era Filho de Deus, mesmo em sua natureza humana, tinham todas as suas ações um mérito infinito (S. Tomás, III, q. 48, a.2 ad 3); uma só gota de seu precioso sangue, um ato de amor para com seu Pai celeste, qualquer obra realizada para a sua glória, teriam bastado para restituir-nos a graça. Mas para lhe compreendermos o valor, quis mostrar-nos que um Homem-Deus não podia fazer sofrer demais por ela. Sofreu quanto pode sofrer um homem; e até pode dizer-se infinitamente, não só pelo  que respeita a sua dignidade, como também pela intensidade do sofrimento. Para saciar-nos com o pão de sua graça, jejuou quarente dias; para revestir-nos com a graça, deixou-se coroar de espinhos; para embeber nossa alma com a água celeste da graça, deixou atravessar-se mãos e pés; finalmente, para elevar-nos a seu trono e dar-nos a vida divina, sacrificou sua vida no patíbulo da cruz.

                Olha, ó cristão, e julga! Poderá ser uma futilidade o que te consegui o Filho de Deus com tanto trabalho? Crês facilmente nos homens que prometem a liberdade, a comodidade, as honras, e se proclamam benfeitores da humanidade. Mas detém-te um instante: basta que se trate  de se sacrificarem, para logo se escusarem: aí está a pedra de toque de seu mérito e de sua filantropia. Por que então não terás fé em teu Salvador que se sacrificou?

                 Se Cristo te dissesse que, para merecer a graça. deves tudo sofrer, deverias nele crer. Quanto mais não deves então lhe estimar o preço, vendo-o sofrer, ao indizível, para ta conseguir! Se o acreditares compreenderás que o mais insignificante sofrimento, aceito com os olhos da graça, é nada em comparação do seu valor. Se tivesses que sofrer todas as penas do inferno, serias, com tudo isto, incapaz de merecer um só átomo deste dom. Agradece, pois, ao salvador o teu sofrimento por ti. Procura assemelhar-te a ele no sofrimento, para mostrar-lhe que aprecias sua graça.

                 Não contente de dar-nos sua vida, para espalhar a graça entre os homens, institui Cristo um sacramento e um sacrifício nos quais se contém nada menos que seu próprio corpo e seu próprio sangue. Não lhe bastou nascer, morrer e ser sepultado uma só vez. Misteriosamente quis renascer, milhares de vezes, ininterruptamente, em todo o mundo, por meio das mãos sacerdotais; sobre os altares da Santa Igreja quis renovar  o sacrifício da cruz e renovar o ato de sua sepultura no coração dos fieis. Quantas ofensas e injúrias não tem tido ele que sofrer neste sacramento! Ora profanam-no as mãos de sacerdotes indignos, ora cumpre-lhe estar nos tabernáculos descuidados, quando não em corações manchados pelo pecado! Qual a razão destas incontáveis idas e vindas do céu à terra? É o zelo ilimitado do Filho de Deus, que deseja dar-nos a graça. Atitude que contrasta com a nossa cegueira, pois mal damos um passo para consegui-la; corremos ao contrário atrás daquilo que no-la arrebata.

                    Se o valor real da graça não iguala ao preço que por ela foi pago, a lembrança de tão custosa compra deveria fazê-la infinitamente preciosa aos nosso olhos. Quanto mais nos custou a aquisição de um objeto, tanto mais o estimamos.

  (continua...)

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