quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A GRAÇA NOS CONFERE UMA NATUREZA NOVA E SUPERIOR

(continuação de trechos  de  Matthias Joseph Scheeben :retiradas  do seu magnífico livro intitulado                                                          "As Maravilhas da Graça Divina")


     
 ... Quando aqui falamos de uma mudança de nossa natureza, não queremos dizer seja nossa substância destruída ou absorvida na substância divina. Seria tal uma afirmação ímpia. Trata-se unicamente de uma transformação, pelo qual somos glorificados. Deve, porem, esta transformação  ser apreciada em seu justo valor, pois a não podemos comparar com a mudança que se exprime dizendo ter alguém mudado de resolução, ter adotado um novo costume, ser agora outro homem.
   
           Provem esta transformação de Deus, e não da vontade ou do esforço da criatura; é um milagre da omnipotência divina, que, segundo o ensinamento dos Padres, nos arrebata aos limites da natureza, eleva-nos e glorifica-nos. Converte-nos em outros homens, em seres divinos de uma estirpe celeste.

            Esta transformação nos faz perder nossa substancia natural. Repetem-nos os Padres em todos os tons, por exemplo, quando empregam a imagem do ferro incandescente. Não deixa ele de ser ferro; por isto, uma vez retirado do fogo, volta ao que era antes era. Durante a incandescência, deixa de ser duro, frio, de cor amortecida, para tomar o brilho, o ardor, o poder do fogo, e adquirir uma propriedade que não é sua, mas, sim, do fogo. Quando dizemos que o fogo consome o ferro, não queremos afirmar que o aniquila, pois lhe consome apenas as impurezas. Do mesmo modo, ensina-nos S. Cirílio, pela graça não perdemos a substância de nossa natureza, e, sim, sua baixa condição, suas imperfeições. "Os que são chamados - diz ele - pela fé em Cristo à adoção divina, abandonaram a fraqueza de sua natureza; a graça de Deus os glorifica, cobre-os, com uma veste resplandecente e os eleva a uma dignidade sobrenatural.

             ... Se pela graça recebemos uma nova natureza celeste, que não devemos fazer para alcançá-la, conservá-la e viver em conformidade com ela? Seria mui pouco respeitar a dignidade humana comportar-se como os animais, abandonando-se aos mesmos prazeres e paixões que eles. Seria, por certo, vergonhoso para um homem - se possível - descer ao nível dos brutos, realizando um ato que o privasse de seu ser racional. É isto porem, absurdo visto ser a imagem de Deus em nossa alma inapagável. É possível, contudo, a um homem, pela embriaguez e - o que é pior - pela libertinagem, colocar-se em tal estado que mais se parece a um animal que a um homem. É um ato contra a natureza, que só nos pode fazer estremecer. Que fazer então, diante do pecado mortal? Realmente, não obscurece ele, por algum tempo, em nossa alma a natureza celeste, mas a destrói completamente.

             Compõe-se o homem natural, falando em termos comuns, da duas naturezas, a carnal e a espiritual. Existem nele como que dois homens, o exterior e o interior, ou, como diz o Apóstolo, um homem mortal e outro imortal. Como não podemos servir ao mesmo tempo a duas naturezas, cumpre-nos subjugar a natureza carnal à espiritual. Assim como deve a carne sujeitar-se ao espírito, do mesmo modo deve nosso espírito servir ao Espírito de Deus e à graça; como tem o espírito a carne sob si, tem igualmente a graça sobre si. Se se entrega à carne, rebaixa-se até ao seu nível, faz-se carne; se se dá à graça, se se deixa penetrar e mover por ela, eleva-se até Deus, faz-se semelhante a ele. Diz S. Agostinho: "Aquele que ama a terra é terra; o que ama ao mundo confunde-se com ele; o que ama a Deus, que direi ser ele, irmãos meus? Não serei u e, sim, a palavra divina que nos ensinará: Disse, vós sois deuses e filhos do Altíssimo. Na realidade em que colaboramos com a graça ou tendermos até seu Autor, o Pai das luzes, ver-nos-emos cheios de sua natureza. É abominável que, podendo alguém elevar-se tão alto, nas asas da caridade celeste, prefira arrastar-se no lodo dos prazeres carnais.

             A graça deve ser para nós objeto de legítimo orgulho. Fazendo-nos pertencer a uma linhagem celeste, deve encher nosso coração de nobres sentimentos. Não devemos, porem, perder de vista ser esta nova natureza coisa gratuita, concedida por uma pura condescendência de Deus.

              ... A virtude da graça age em nossa fraqueza, dela triunfa e a extinguirá um dia, na glória celeste. Podemos dizer com o Apóstolo: "Glorio-me em minhas fraquezas para que a força de Cristo habite em mim; comprazo-me em minhas misérias, pois quando me sinto fraco, então é que sou forte (2 Cor 12, 9-10).

(continua...)

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