sábado, 12 de outubro de 2013

A GRAÇA E A ENCARNAÇÃO  DO FILHO DE DEUS

(continuação de trechos  de  Matthias Joseph Scheeben :retiradas  do seu magnífico livro intitulado                                                          "As Maravilhas da Graça Divina")



            Tão grandes e tão belas são as maravilhas até agora descritas, que poderia parecer  impossível falar ainda alguma coisa mais elevada, excetuando Deus. Sendo de certo modo infinitas, não poderíamos conceber, sem uma revelação de Deus, guiada pela luz da razão e mesmo pela luz da fé, maravilhas mais estupendas. Revelam-se-nos, entretanto dois mistérios, sem dúvida alguma superiores ao da graça: Ei-los: o mistério da Encarnação do Verbo e o da Maternidade divina de Maria (S. Tomas, I, q 25, a. 6 ad 4).

                Quanto mais consideramos o sentido destes profundos mistérios, tanto melhor vemos colocar-se em todo seu esplendor o mistério inigualável da graça, recebendo  uma glória especialíssima.

                Em virtude da Encarnação une-se a natureza humana de Cristo em uma só e mesma pessoa, com o Verbo divino. Deus é verdadeiramente homem, e um homem é verdadeiramente Deus. Não se muda em divina a natureza humana, mas, desprovida de subsistência, se incorpora à segunda pessoa da Divindade. E isto, de modo tão extraordinário se dá, que a natureza humana lhe pertence e fica revestida de uma dignidade divina.A graça não nos muda em Deus, porquanto conservamos nossa natureza  e personalidade; mas  nos diviniza, no sentido de que nos faz semelhantes à natureza de Deus por uma propriedade divinizante. A elevação da natureza humana de Cristo à dignidade de verdadeiro Deus é, por conseguinte, infinitamente superior à nossa união com Deus pela graça.

             Esta elevação da natureza humana de Cristo  - se a consideramos com maior atenção - não é uma honra tributada a uma pessoa criada, porquanto não existia em Cristo tal pessoa. É antes um abaixamento de Deus, pois desce ele de seu trono para se apropriar uma natureza humana. Não afirmamos que um homem se  transformou em Deus, e, sim, que um Deus se fez homem. Pela graça, ao contrário, uma criatura - o homem - sem ser nem se fazer Deus, torna-se contudo participante da natureza divina; sob este aspeto, admiramos de certo modo, mais a graça que a Encarnação.

            Pergunta S. Pedro Crisólogo: "Que é mais assombroso, que Deus se dê à terra ou que nos dê o céu; que se comunique com nossa carne ou que nos introduza na comunhão de sua divindade; que nasce sob a forma de um servo ou que nos gere na qualidade de filhos livres; que adote nosso mistério ou que nos faça seus herdeiros, co-herdeiros de seu filho unigénito? Sim, a maior maravilha é tornar-se a terra um céu, transformar-se o homem pela divindade, terem os servos direito à herança...

            Esforça-te, ó cristão por não profanar tua dignidade divina. Que não se diga de um irmão de Cristo o que não convém a um homem e nem a um anjo, mas apenas a um demónio. Pertence inteiramente, com todos os teus pensamentos, palavras e obras, àquele que, entrando em nossa carne, nos adotou como seus. Sigamos a exortação de S. João Crisóstomo: "Honremos nossa cabeça; consideremos de quem somos membros. Procuremos superar em virtude aos anjos e arcanjos, já que Deus, ao assumir nossa natureza, a assumiu totalmente. Continua o santo, estendendo-se neste sentido, e termina com a seguinte lamentação:"  É possível seja o corpo de tal Cabeça lançada aos demónios e por eles profanado e pisado, sem sequer nos comovermos com o horror deste crime?"

           Pelo batismo ingressamos no corpo místico de Cristo. Como sinal e penhor de nossa união com ele, recebemos o caráter sacramental. Pertencemos a Cristo e Cristo nos pertence. Somos verdadeiros cristãos, isto é, somos, de certo modo, o próprio Cristo, pois com ele formamos um só corpo. O caráter impresso em nossa alma é indelével; por longa que nos seja a vida, dá-nos direito à graça de Deus, porquanto deve o corpo estar cheio de vida gloriosa de Cristo. Não possuímos, porem, tal direito sob a condição de nos portamos como Cristo o deseja. É o pecado já uma grande falta porque repele a graça, da nossa natureza: é, porem, muito maior ainda porque arrebata a um membro de Cristo sua vida celeste. Deixar-mo-nos privar da graça, rejeitá-la levianamente, vender-mo-nos com ela ao domínio, é coisa tanto mais culpável, quanto nos pertencia a graça como propriedade, e pelo caráter sacramental tínhamos de Cristo a garantia de que nenhum poder do céu ou da terra seria capaz de dela despojar-nos. Será útil prestarmos atenção a S. Gregório Nazianzeno que nos  ensina a combater os ataques do demónio: "Se te tenta ele pelo orgulho, se te mostra, em um estante, todos os reinos do mundo, como se lhe pertencessem e tos oferece com a condição de o adorares, despreza a este miserável, confia no selo que levas impresso em tua alma e diz-lhe: "Sou a imagem de Deus, não, porem, como tu, um decaído, pelo orgulho, da glória celeste; estou revestido de Cristo, adore-me tu! Dar-se-á por vencido com estas palavras, e, cheio de confusão, voltará às trevas"

(continua...)

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